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RECUPERAÇÃO JUDICIAL – Penhora de bens nas execuções fiscais

Foto do escritor: carlosdelimafilhocarlosdelimafilho

Sabe-se que um dos princípios mais relevantes para temática da recuperação judicial é o princípio da preservação da empresa viável. O foco na preservação da empresa é um lastro do princípio da função social, que busca o benefício da sociedade e não apenas da empresa como ente privado e singular.


Proteger a empresa viável é proteger os empregos que ela gera, os encargos fiscais que ela arrecada, a economia que ela circula por meio da sua cadeia de fornecimento. Ao mesmo tempo, essa proteção também gera segurança jurídica, pois o Estado demonstra aos entes privados que em situações de crises, o que é comum no sistema capitalista, as empresas que comprovem a situação transitória terão essa proteção.


Diante da sua relevância, o referido princípio tem sido utilizado para preencher as lacunas existentes no sistema normativo, pois carrega sobre si a essência da finalidade de todo esse sistema que envolve a recuperação judicial. Uma dessas lacunas, portanto, é a tentativa de constrição patrimonial a partir de processos de execução fiscal, considerando que o débito fiscal não é afetado pelo stay period.


Vejamos, portanto, recente decisão do STJ:

RECURSO ESPECIAL Nº 2165190 - SP (2024/0312748-5) EMENTA PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. SOCIEDADE EMPRESÁRIA EXECUTADA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SUPOSTA OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC/2015. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 284 DO STF. CONTRARIEDADE A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. ANÁLISE. INVIABILIDADE. NÃO IMPUGNADOS TODOS OS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 283 DO STF. ALEGAÇÃO DE QUE FOI IMPEDIDA A REALIZAÇÃO DE BLOQUEIO NAS CONTAS BANCÁRIAS DA EXECUTADA. RAZÕES DISSOCIADAS. SÚMULA N. 284 DO STF. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.

DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto pela FAZENDA NACIONAL, com fundamento no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição da República, contra o acórdão prolatado pelo TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3.ª REGIÃO no Agravo de Instrumento n. 0024004-57.2015.4.03.0000/SP, assim ementado (fls. 498-499):

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ART. § 7º, DO ART. 6°, DA LEI Nº 11.101/05. NECESSIDADE DE CONSULTA DO JUIZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL SOBRE A CONSTRIÇÃO E/OU POSSIBILIDADE DE ALIENAÇÃO EM LEILÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

- Como regra geral, a execução fiscal não se suspende pela decretação de recuperação judicial da empresa (Lei n° 11.101/2005, art. 6°, § 7º; LEF - Lei n° 6.830/80, arts. 5º e 29). Isso porque os créditos fiscais não se sujeitam ao concurso universal dos credores e a prova de regularidade fiscal (através de CND ou CPEN) é exigido para fins de aprovação do plano de recuperação (Lei tf 11.1-1/2005, arts. 57 e 58), de forma que ou a recuperação judicial foi feita em atenção à exigência legal (caso em que a execução fiscal poderá ser extinta ou suspensa por outros fundamentos legais, como o parcelamento fiscal), ou não o foi (caso em que o executivo fiscal tem regular prosseguimento).

- Todavia, conciliando o fim social de preservação da atividade econômica, ínsito no instituto de recuperação da empresa, deve-se afastar a possibilidade de que haja atos de constrição e, especialmente, de restrição patrimonial que possam comprometer o plano de recuperação, cuja decisão compete ao Juízo da Execução, mas sempre mediante consulta ao Juízo da recuperação empresarial.

- Esse entendimento, que objetiva conciliar ambos os interesses - o interesse público na satisfação dos créditos tributários e o interesse social na preservação da empresa, está assentado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça.

- Não consultado o Juízo da Recuperação Judicial sobre a constrição e/ou possibilidade de alienação em leilão; deve-se suspender a decisão agravada até que o Juízo da Execução Fiscal proceda com a consulta ao Juízo da Recuperação Judicial.

- Em relação ao imóvel de Matricula n° 13.219, cumpra o quanto decidido e determinado pela C. 11ª Turma desta Corte na apelação da Medida Cautelar Fiscal de n° 0005227-54.2011.4.03.6114, liberando-o da constrição no executivo fiscal, salvo se tiver sido concedido efeito suspensivo ao recurso especial interposto pela União Federal naqueles autos.

- Recurso parcialmente provido para o fim de suspender a decisão agravada até que seja consultado o Juízo da Recuperação Judicial, bem como para determinar o cumprimento do disposto na apelação da referida Medida Cautclar Fiscal (salvo se tiver sido concedido efeito suspensivo ao recurso especial interposto pela União Federal naqueles autos).

O Juízo singular, na execução fiscal movida contra a parte ora recorrida, indeferiu o pedido de cancelamento da penhora sobre o precatório expedido nos autos do Processo n. 0018713-42.1997.4.03.6100, da 7ª Vara Federal de São Paulo (valor de R$ 2.339.733,57), bem como determinou a realização de constatação e reavaliação dos bens penhorados, para fins de realização de leilão.

Irresignada, a parte executada interpôs agravo de instrumento, que foi parcialmente provido para que (fl. 497):

a) o Juízo da execução fiscal proceda à devida consulta ao Juízo da Recuperação Judicial acerca dos bens questionados neste agravo (penhora sobre o precatório e sobre o imóvel de Matrícula 15.235), após o que decida, fundamentadamente, a respeito do pedido de liberação dos bens da constrição do executivo fiscal;

b) suspenda a determinação de hasta pública dos imóveis objeto deste agravo e que foram objeto de decisão na apelação da Medida Cautelar Fiscal n° 0005227-54.2011.4.03.6114 (Matrículas n's 13.219 e 15.235, do 1° CRI de São Bernardo do Campo/SP), tornando sem efeitos se tiver havido qualquer ato de alienação em hasta pública;

c) cumpra, em relação ao imóvel de Matricula nº 13.219, o quanto decidido e determinado pela C. na Turma desta Corte na apelação da referida Medida Cautelar Fiscal, liberando-o da constrição no executivo fiscal, salvo se tiver sido concedido efeito suspensivo ao recurso especial interposto pela União Federal naqueles autos.

Os subsequentes embargos de declaração opostos contra o referido julgado foram rejeitados (fls. 518-526).

Nas razões do recurso especial, a parte recorrente alega ofensa ao art. 1.022, incisos I e II, do CPC, ao argumento de que "era de se esperar pronunciamento expresso por parte dos magistrados a respeito dos artigos de lei mencionados, além de outros artigos de leis federais que regem a matéria, cuja consideração era de rigor porquanto tais diplomas aplicam-se perfeitamente à situação em tela" (fl. 532).

Sustenta contrariedade ao art. 6º, § 7º, da Lei n. 11.101/2005, pois "o fato de a empresa estar em recuperação judicial não autoriza a suspensão da exigibilidade do crédito fiscal [...] Portanto, a recuperação judicial não impede o prosseguimento do executivo fiscal" (fl. 533).

Assinala que "o juiz ao impedir o leilão dos bens, para pagar dívidas da Fazenda Nacional, ou a realização de Bacen Jud nas contas da executada, na verdade, impediu o prosseguimento da execução fiscal. Por via indireta, o juiz suspendeu a execução fiscal e, portanto, não aplicou o artigo da lei 11.101, o qual fala que a recuperação judicial não suspende a execução fiscal" (fl. 537).

Assevera que foi "violado o artigo 97 da Constituição Federal, pois, ao não aplicar a lei, o juiz a entendeu inconstitucional. Todavia, no Tribunal, apenas o órgão especial pode considerar uma lei inconstitucional. Por isso resta prequestionado o artigo da lei 11.101, assim como o artigo 97 da Constituição Federal de 1988" (fl. 537).

Não foram apresentadas contrarrazões.

O recurso especial foi admitido (fls. 548-550).

É o relatório.

Decido.

O recurso não merece conhecimento.

Não obstante o recurso especial alegue violação do art. 1.022 do Código de Processo Civil, não especifica adequadamente quais os pontos do acórdão recorrido em relação aos quais haveria omissão, contradição, obscuridade, tampouco a relevância da análise dessas questões para o caso concreto. Portanto, o conhecimento desse capítulo recursal é obstado pela falta de delimitação da controvérsia, atraindo a aplicação da Súmula n. 284 do STF. Nesse sentido: AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.311.559/RS, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 30/10/2023, DJe de 3/11/2023; REsp n. 2.089.769/PB, relator Medida Cautelar Fiscal Incidental n° 0005227-54.2011.4.03.6114 (fls. 345/350 deste agravo; fls. 703/707 dos autos da execução), em Acórdão que decidiu excluir da indisponibilidade o bem imóvel de matrícula 13.219, em relação ao qual houve decisão do juízo da recuperação determinando sua transferência a terceiro e, quanto ao imóvel de matricula 15.235, manteve a indisponibilidade, condicionada, porém, a que 'a penhora do bem e a sua venda em hasta pública deverá ser submetida ao crivo do juízo universal'.

Embora ainda pendente de recurso especial dirigido à superior instância, não se mostra legítimo ao juízo de primeira instância desconsiderar que a decisão deste Tribunal, embora ainda não transitada em julgado, evidentemente surte efeitos jurídicos a serem considerados no executivo fiscal. Deve-se ressaltar a inexistência de efeito suspensivo do recurso especial ao Egrégio Superior Tribunal de Justiça (ainda em tramitação perante a Vice-Presidência desta Corte, conforme sistema eletrônico de informações processuais), o que faz com que a decisão desta Corte naquela medida cautelar tenha plena e imediata eficácia e deva ser observada pelo juízo recorrido, salvo se tivesse sido concedido nas vias apropriadas efeito suspensivo ao recurso especial.

Em razão disso, a decisão deste Tribunal, que modificou substancialmente a medida cautelar fiscal em relação aos dois imóveis referidos neste agravo, conquanto ainda não transitada em julgado, exige sua observância pelo juízo a quo e de qualquer forma impede que sobre referidos imóveis haja atos de redução patrimonial, como a alienação em hasta pública determinada na decisão ora agravada, sob pena de provocar danos irreparáveis ou de difícil reparação à parte executada, na medida em que a alienação de imóveis a terceiros tornaria inviável o retorno à situação jurídica anterior.

Da leitura das razões recursais, verifica-se que a parte recorrente não rebateu os seguintes fundamentos apresentados pelo Tribunal de origem que são suficientes, por si sós, para a manutenção do acórdão atacado: a) é necessário conciliar o interesse público na satisfação dos créditos tributários e o interesse social na preservação da empresa, razão pela qual, embora a execução fiscal não se suspenda em razão do deferimento da recuperação judicial da sociedade executada, cabe ao Juízo da recuperação judicial analisar e deliberar sobre os atos constritivos efetuados pelo Juízo da execução; b) é indevida a alienação em hasta pública dos imóveis penhorados, pois há decisão anterior do Tribunal local que "decidiu excluir da indisponibilidade o bem imóvel de matrícula 13.219" (fl. 496) e, "quanto ao imóvel de matrícula 15.235, manteve a indisponibilidade, condicionada, porém, a que 'a penhora do bem e a sua venda em hasta pública deverá ser submetida ao crivo do juízo universal'" (fl. 496).

Desse modo, incide no ponto o óbice da Súmula n. 283 do STF. Nesse norte: AgInt no AREsp n. 2.290.902/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 18/12/2023, DJe de 20/12/2023; AgInt no REsp n. 2.101.031/RJ, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 4/12/2023, DJe de 7/12/2023.

Outrossim, ao consignar que as instâncias de origem impediram a "realização de Bacen Jud nas contas da executada" (fl. 537), a parte recorrente apresentou razões dissociadas do acórdão recorrido, já que não consta tal determinação nos acórdãos de fls. 489-499 e 518-526, atraindo a incidência da Súmula n. 284 do STF. Nessa senda:

AgInt no AREsp n. 2.299.240/RN, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 16/10/2023, DJe de 18/10/2023; AgInt no AREsp n. 2.174.200/MG, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 24/4/2023, DJe de 26/4/2023.

Ante o exposto, NÃO CONHEÇO do recurso especial.

Por tratar-se, na origem, de recurso interposto contra decisão interlocutória, na qual não houve prévia fixação de honorários, não incide a regra do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 12 de novembro de 2024.

MINISTRO TEODORO SILVA SANTOS

(REsp n. 2.165.190, Ministro Teodoro Silva Santos, DJEN de DJe 14/11/2024.). [grifo nosso]


Apesar de se tratar de decisão monocrática, proferida pelo ilustre Min. TEODORO SILVA SANTOS, reflete um posicionamento que vem sendo recorrente em outras decisões monocráticas, como é o caso do CC 209955, de relatoria da eminente Min. MARIA ISABEL GALLOTTI, onde deixa claro o firmamento do entendimento a partir da Lei 14.112/2020:

(...)

Desse modo, "como se constata, a competência do Juízo recuperacional para sobrestar o ato constritivo realizado no bojo de execução de crédito extraconcursal restringe-se àquele que recai unicamente sobre bem de capital essencial à manutenção da atividade empresarial, a ser exercida apenas durante o período de blindagem, que, no caso, já foi, há muito, exaurido. Em tese, as alterações do dispositivo legal em exame (art. 6º da LRF) pela Lei n. 14.112/2020 não mais subsidiam o posicionamento que atribuía a competência universal do juízo da recuperação judicial, sobretudo após o stay period" (CC n. 203.404, Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe de 18/3/2024).

(...)


Portanto, é interessante observar que o princípio da preservação da empresa, que acaba atraindo a incidência da universalidade do juízo falimentar, afeta também os créditos extraconcursais, bastando que a empresa demonstre o risco e a relevância operacional dos bens objeto de constrição, inclusive quando se trata de dinheiro.


Além do mais, apesar de subsistir mecanismos legais para a regularização dos débitos tributários (parcelamentos especiais), além da transação tributária com descontos, tais procedimentos podem levar algum tempo, e nesse interregno as execuções fiscais prosseguem opondo risco ao patrimônio da empresa viável.


Temos casos, por exemplo, no escritório, em que o procedimento de transação tributária já perdura por 12 meses, tendo em vista que há um procedimento específico para a redução do que se denomina CAPAG (capacidade de pagamento) no sistema da PGFN, e a revisão desse índice é importante para que a empresa consiga obter melhores descontos em juros e multas.


Dessa forma, tal princípio é importante para salvaguardar o interesse maior da recuperação judicial, que é garantir a aprovação de um bom plano, o pagamento de todos os credores e a retirada da empresa da situação de crise transitória.


Carlos Angélico Campos de Lima Filho

OAB/DF 44.437





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